Decisão determina que SESPA disponibilize processos de aquisições no período da pandemia

Em medida tomada pelo Tribunal de Contas do Pará (TCE-PA) e assinada pela Conselheira Substituta, Milene Dias, através do Processo n. 2020/51297-4, foi determinado que a Secretaria de Saúde Pública do Estado do Pará ( SESPA) tem até 15 dias para disponibilizar cópia integral de todos os processos de aquisições firmados no período de pandemia da Covid-19, sob pena de aplicação de multa.

A medida repercutiu de forma favorável, salientando que o regime republicano é regime de responsabilidade. Também foi destacado que “a coisa pública é tratada como pública e conduzida sem desperdícios. Assim, seu descumprimento obstaculiza o exercício dos controles democráticos”.

LEIA AQUI A DECISÃO INTEIRA:

Gabinete da Conselheira Substituta Milene Dias da Cunha

DECISÃO CAUTELAR Nº 03/2020 – REPRESENTAÇÃO/MDC

Referência: Processo n. 2020/51297-4
Assunto: Representação
Representante: Ministério Público de Contas do Estado do Pará
Representado (s): Secretaria de Saúde Pública do Estado do Pará – SESPA

EMENTA:
REPRESENTAÇÃO COM PEDIDO CAUTELAR INAUDITA ALTERA
PARS. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE TRANSPARÊNCIA. LEI
FEDERAL Nº 13.979/2020. CONFIGURAÇÃO DO FUMUS BONI JURIS
E DO PERICULUM IN MORA. DEFERIMENTO DA MEDIDA CAUTELAR.

  1. A transparência é dever do gestor e direito da sociedade, sendo pressuposto básico e caro da república, pois o regime republicano é regime de responsabilidade e, sendo assim, a transparência é um dever cuja iniciativa é do administrador dos recursos públicos e seu descumprimento obstaculiza o exercício do controle externo por este Tribunal, bem como compromete o próprio controle social.
  2. As flexibilizações da Lei de Responsabilidade Fiscal e das normas de contratação pública aumentaram sobremaneira a discricionariedade do gestor e tornou ainda mais relevante a transparência dos dados públicos, a qual tem o papel fundamental de garantir o acesso à informação, a participação popular e, ainda, o conhecimento das razões de decidir dos gestores públicos, de modo a aferir a legitimidade dos atos praticados.
  3. Cautelar concedida para determinar à SESPA que, no prazo sugerido de 15 (quinze) dias, promova a transparência das compras de enfrentamento à COVID no site específico da transparência da COVID no Estado do Pará (www.transparenciacovid19.pa.gov.br), disponibilizando cópia integral de todos os processos de aquisições firmados no período da pandemia da COVID-19, em especial das contratações referentes aos procedimentos de chamamentos públicos relacionados ao enfrentamento da doença, nos moldes das contratações ali já disponibilizadas, sob pena de aplicação de multa nos termos dos arts. 82, I e 83, VIII da Lei Orgânica deste Tribunal.

Este processo trata de Representação com pedido de medida cautelar formulada pelo Ministério Público de Contas do Estado do Pará, em face da Secretaria de Saúde Pública do Estado – SESPA, noticiando supostas irregularidades no que tange à transparência conferida às contratações públicas para fazer frente à pandemia da COVID-19.

Na exordial, o representante alega que, em constante acompanhamento das compras públicas relacionadas ao enfrentamento da pandemia, assistiu à divulgação de editais de chamamentos públicos diversos para contratações emergenciais, em especial, da Secretaria de Saúde Pública deste Estado e que, até a presente data e mesmo após insistentes orientações exaradas pelos representantes do controle externo na Comissão de Acompanhamento instituída por meio do Decreto Estadual nº 658/2020, não se verifica, em sua maior parte, no sítio eletrônico específico dos gastos da COVID-19 no Estado do Pará, os dados e os processos concernentes às contratações decorrentes dos chamamentos públicos realizados, em manifesta violação ao que determina o art. 4º, §2º, da Lei nº 13.019/2020 e o art. 8º, §3º, da Lei 12.257/2011.

Cita, a título de exemplo, as contratações oriundas do chamamento público nº 03/2020 para a aquisição de mobiliários e equipamentos hospitalares. Aponta que, em consulta ao Portal da Transparência Pará é possível identificar seus respectivos empenhos, entre os dias 24 e 29/04/2020 sem que, contudo, as aquisições tenham sido devidamente disponibilizadas. Da mesma forma, aduz inexistir a publicação de seus extratos na imprensa oficial, de modo que não há nenhum elemento elucidativo sobre o procedimento de contratação, o que se revela ainda mais grave quando confrontado à materialidade vultosa das compras que, juntas, beiram R$9.000.000,00 (nove milhões de reais).

O representante ressalta que, em verdade, aos chamamentos públicos firmados pela SESPA fora conferido, quando muito, dados superficiais nos moldes dos extratos publicados no DOE – quando ocorriam – e sem quaisquer documentos relativos aos procedimentos de contratação que permitam o controle mais contundente por parte da sociedade e dos órgãos de controle.

Sustenta que, mesmo após incontáveis orientações prestadas pela Comissão de Acompanhamento, o sítio específico de transparência dos gastos públicos relacionados ao combate da COVID-19 permanece sem disponibilizar os dados e os documentos de todos os contratos provenientes de chamamentos realizados pela SESPA, ressaltando, também, que, aparentemente, boa parte dos contratos oriundos de chamamento público estão, até o momento, sem publicação no DOE, em verdadeira penumbra antípoda da ideia de república e de governo transparente que as Constituições Federal e Estadual visaram promover e garantir.

Neste contexto, requer a concessão de medida cautelar, inaudita altera pars, a fim de que se determine à SESPA que, no prazo de 15 (quinze) dias disponibilize cópia digitalizada integral dos processos de contratações referentes aos procedimentos de chamamento no site específico da transparência dos gastos públicos relacionados à contenção da COVID-19, nos mesmos moldes das contratações ali já disponibilizadas, sob pena de multa diária pelo atraso no cumprimento da medida.

Remetidos os autos à análise da Procuradoria deste Tribunal, esta, em parecer de fls. 13/13-v, manifestou-se pela admissibiilidade da representação. Após admitida pela Presidência deste Tribunal (fls. 14), o processo foi autuado e distribuído ao Conselheiro Substituto Julival da Silva Rocha (fls. 15).

O então relator, em despacho de fls. 17/18-v dos autos, observou que na sessão de julgamento do dia 11/08/2020, o Pleno deste Tribunal apreciou situação similar à do presente feito, no bojo do processo 2020/51128-0, de minha relatoria, ocasião em que foi deliberado o deferimento do respectivo pleito cautelar. Assim, considerando as regras do novo Código de Processo Civil (CPC) sobre a conexão e a prevenção, entendeu necessária a reunião do processo perante o relator prevento, por questões de economia processual e para evitar decisões contraditórias.

Os autos, então, foram redistribuídos, por prevenção, a esta relatora (fls. 19), que, em despacho de fls. 20, acatou a conexão processual suscitada.

A seguir, os autos vieram conclusos.
É o relatório.

PROPOSTA DE DECISÃO

A medida cautelar tem caráter excepcional, estando condicionada ao preenchimento simultâneo dos seus pressupostos autorizadores, quais sejam, a plausibilidade jurídica da pretensão alegada (fumus boni iuris) e o risco de ineficácia do seu provimento em virtude da possibilidade da demora da prestação jurisdicional (periculum in mora). Com efeito, mostra-se como providência acautelatória de possíveis danos, quando relevantes os fundamentos apontados e quando do ato impugnado possa resultar ineficácia do provimento final a ser concedido.
.
Nesta primeira análise dos argumentos do representante e dos documentos acostados aos autos, verifico haver pertinência em suas alegações. Em consulta aos portais de transparência do Estado, não foi possível ter acesso aos chamamentos públicos listados pelo representante. O exemplo trazido à baila na exordial, referente ao Chamamento Público nº 03/2020, abrange os empenhos 2020NE02334, 2020NE02382, 2020NE02417 e 2020NE02418 que, juntos, beiram a vultosa quantia de R$-9.000.000,00 (nove milhões de reais). A rápida consulta aos portais de transparência do Estado confirma o argumento do MPC no sentido de que não foram disponibilizados quaisquer dados sobre as aquisições. Não se tem absolutamente nenhuma informação sobre tais contratações.

Na mesma linha, também se verifica a inexistência de qualquer informação acerca do Chamamento Público nº 11/2020, com exceção da publicação do extrato do contrato, cujo valor totaliza R$-445.050,00 (quatrocentos e quarenta e cinco mil e cinquenta reais), no DOE/PA, de 28/05/2020, o que impossibilita qualquer forma de controle sobre a aquisição.

Ademais, o representante também demonstra que, no exercício das atividades da Comissão de Acompanhamento instituída pelo Decreto Legislativo nº 658/20202, composta por representantes da Auditoria Geral do Estado do Pará, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Estado, deste Tribunal de Contas e do Ministério Público de Contas deste Estado, o MPC chegou a requerer à SESPA, conforme ofício anexado aos autos, o envio de cópia integral de processo de contratação oriunda do CP n° 15/2020. No entanto, em resposta constante do anexo 3 dos autos, a representada afirmou sequer ter acesso a qualquer documento referente ao certame, o que, somada à ilegalidade concernente à falta de transparência, induz outras irregularidades para além falta de organização da Secretaria, como a inexistência de formalização de processos, o que demanda, sim, uma maior atenção deste Tribunal.

E mais, uma consulta ao Portal da Transparência da COVID-19 mostra que vários contratos firmados pela Secretaria de Saúde Pública foram ali arrolados sem, contudo, terem sido disponibilizados para consulta pelos cidadãos. A título de exemplo, citam-se os contratos nº 2020/246943 no valor de R$-2.112.789.69 (dois milhões cento e doze mil setecentos e oitenta e nove reais e sessenta e nove centavos); nº 2020/249240 no valor de R$-135.135,00 (cento e trinta e cinco mil e cento e trinta e cinco reais) e nº 2020/276234 no valor de R$-2.708.000,00 (dois milhões e setecentos e oito mil reais), dentre outros.

Pois bem. A transparência é dever do gestor e direito da sociedade, sendo pressuposto básico e caro da república, pois o regime republicano é regime de responsabilidade e, sendo assim, a transparência é um dever cuja iniciativa é de quem administra os recursos públicos. A transparência é direito fundamental, como se abstrai do art. 5º, LXXII, da CF/88, é pilar e pressuposto lógico da própria democracia, resultado de uma evolução e construção social e institucional da qual não mais se permite retroceder. Deve, pois, estar encarnada nas capacidades e encaminhamentos quotidianos para solucionar os problemas coletivos, nas decisões e ações governamentais e no intento de qualificar as práticas políticas, de modo a elevar os níveis de capital social, a ampliar e dar maior vigor à esfera pública e a assegurar a responsividade do gestor. A transparência também é um instrumento e uma garantia ao próprio governante, vez que sem ela, pode deixar de captar situações indesejáveis na máquina estatal por ele comandada, o que, em última análise, repercurte em sua governança e em sua governabilidade.

Sem transparência não há controle em nenhuma das suas três dimensões (interno, externo e social), vez que não é possível trilhar tal vereda na completa escuridão. E sem controle não há democracia. Por tal razão, o art. 4º, §2º da Lei Federal nº 13.979/20, que trata das medidas de contenção da pandemia, caminhou em sentido correto e reforçou a obrigação já disposta na conhecida Lei de Acesso à Informação, exigindo que:

Art. 4º
§ 2º Todas as contratações ou aquisições realizadas com fulcro nesta Lei serão imediatamente disponibilizadas em sítio oficial específico na rede mundial de computadores (internet), contendo, no que couber, além das informações previstas no § 3º do art. 8º da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, o nome do contratado, o número de sua inscrição na Receita Federal do Brasil, o prazo contratual, o valor e o respectivo processo de contratação ou aquisição.

E não poderia ser diferente. Tratam-se, pois, de aquisições efetivadas em caráter emergencial no âmbito de uma situação de calamidade pública de grandes proporções decorrente de uma pandemia mundial e, por isso mesmo, fundadas na Lei Federal nº 13.979/20, a qual flexibilizou os processos de aquisições públicas a cargo dos Estados. A regra, que já era contida no art. 24, inciso IV da Lei 8.666/935 (Lei de Licitações) restou ainda mais detalhada na novel Lei nº 13.979/20, que editou medidas de contenção da pandemia e previu a dispensa de licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da
pandemia. É ler:

serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020) § 1º A dispensa de licitação a que se refere o caput deste artigo é temporária e aplica-se apenas enquanto perdurar a emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

Como se vê, a mesma legislação federal que autorizou a flexibilização de procedimentos também teve o cuidado de reforçar a obrigatoriedade da transparência dos atos praticados nesse período. O fato é que as necessárias flexibilizações da Lei de Responsabilidade Fiscal e das normas de contratação pública aumentaram sobremaneira a discricionariedade do gestor e tornou ainda mais relevante a transparência de dados públicos, tanto no aspecto de apoio às medidas de saúde pública como para garantir o efetivo controle dos gastos pelos órgãos competentes e pela sociedade em geral quanto à legitimidade dos atos praticados.

A transparência, pois, tem o papel fundamental de garantir o acesso à informação, a participação popular e, ainda, o conhecimento das razões de decidir dos gestores públicos, de modo que se mostra instrumento essencial no controle das ações do governo. É pela transparência que é possível verificar se os procedimentos e resultados respeitam a coisa pública, se as decisões, encaminhamentos e ações sob responsabilidade dos agentes públicos, a serviço da sociedade, preservam ou ampliam o bem-estar coletivo, atendem os interesses sociais e favorecem a oferta de bens públicos. A transparência permite evidenciar que a coisa pública é tratada como pública (não há desvios de finalidade, nem usurpação de recursos) e conduzida sem desperdícios.

Nesse sentido, a discussão acerca da importância da transparência no âmbito da pandemia da COVID-19 chegou ao Supremo Tribunal Federal. Na decisão monocrática, proferida em 26/03/2020, em sede cautelar na ADI 6351/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, foi deferida a concessão de medida liminar para suspender a eficácia do artigo 6º-B da Lei 13.979/20206 , incluído pelo artigo 1º da Medida Provisória 928/2020.

Referido dispositivo violava frontalmente os direitos à informação, à transparência e à publicidade uma vez que previa a suspensão dos prazos de resposta a pedidos de acesso à informação, impedia o conhecimento de recursos interpostos contra tal negativa, impunha ônus excessivo ao cidadão ao exigir a reiteração do pedido quando findo o estado de calamidade pública, e, além disso, desatendia às exigências da proporcionalidade, tendo em conta a existência de meio menos gravoso (aos direitos referidos) previsto na Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Na referida decisão, o relator ressaltou que “o artigo impugnado pretende TRANSFORMAR A EXCEÇÃO – sigilo de informações – EM REGRA, afastando a plena incidência dos princípios da publicidade e da transparência.”

Também deixou assente que a Constituição da República Federativa do Brasil consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a sociedade. Portanto, salvo situações excepcionais, a Administração Pública tem o dever de absoluta e irrestrita transparência na condução dos negócios públicos, sob pena de desrespeito aos artigos 37, caput e 5º, incisos XXXIII e LXXII.

Posteriormente, no julgamento de mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Plenário da Suprema Corte, em 30/03/2020, referendou a liminar concedida fixando o seguinte entendimento sobre a questão:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESTRIÇÕES GENÉRICAS E ABUSIVAS À GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ACESSO À INFORMAÇÃO. AUSÊNCIA DE RAZOABILIDADE. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE E TRANSPARÊNCIA. SUSPENSÃO DO ARTIGO 6º-B DA LEI 13.979/11, INCLUÍDO PELA MP 928/2020. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA.

1.A Constituição Federal de 1988 consagrou expressamente o princípio da publicidade como um dos vetores imprescindíveis à Administração Pública, conferindo-lhe absoluta prioridade na gestão administrativa e garantindo pleno acesso às informações a toda a Sociedade.

2.À consagração constitucional de publicidade e transparência corresponde a obrigatoriedade do Estado em fornecer as informações solicitadas, sob pena de responsabilização política, civil e criminal, salvo nas hipóteses constitucionais de sigilo.

3.O art. 6º-B da Lei 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da Medida Provisória 928/2020, não estabelece situações excepcionais e concretas impeditivas de acesso à informação, pelo contrário, transforma a regra constitucional de publicidade e transparência em exceção, invertendo a finalidade da proteção constitucional ao livre acesso de informações a toda Sociedade.

4.Julgamento conjunto das Ações Diretas de Inconstitucionalidade 6.347, 6351 e 6.353. Medida cautelar referendada. (ADI 6351 MC-Ref, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 30/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-202 DIVULG 13-08- 2020 PUBLIC 14-08-2020).

Na mesma trilha, consagrando a importância da transparência, a Constituição do Estado do Pará obriga a publicidade de todos os contratos realizados com a administração pública estadual no prazo de dez dias de sua assinatura, inclusive estabelecendo que incorre em crime de responsabilidade o agente ou autoridade pública que não tomar essa providência:

Art. 28. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação a prestação de serviços públicos, observados os princípios da eficiência, continuidade, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação e modicidade das tarifas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 55 de 08/10/2013)
§ 5°. Os contratos realizados com a administração pública estadual, especialmente, os de obras e aquisição de bens e serviços, firmados mediante licitação ou dispensada esta, na forma da lei, serão publicados, integralmente ou em forma de extrato, no Diário Oficial do Estado, no prazo de dez dias de sua assinatura, incorrendo em crime de responsabilidade o agente ou autoridade pública que não tomar essa providência. (grifei)

Assim, por todos os fundamentos acima expostos, resta cristalino o descumprimento legal por parte da SESPA de dar imediata e tempestiva transparência de todas as aquisições efetivadas no âmbito da pandemia da COVID-19. Verifica-se, ainda, que a Comissão de Acompanhamento das Medidas Administrativas Excepcionais, prevista no Decreto Estadual n°619, de 23 de março de 20208 , expediu inúmeras recomendações (juntadas no anexo 1 da Representação nº 2020/51128-0), a fim de que as informações sobre as aquisições fossem disponibilizadas no endereço eletrônico criado para essa finalidade, entretanto, ainda assim, a SESPA manteve-se inerte.

É certo que, ao instituir a referida comissão interinstitucional com atribuições de acompanhar as contratações e de atuar em colaboração com a Administração Pública Estadual, sugerindo ações preventivas e corretivas nos processos administrativos acompanhados, é razoável e lógico supor que o Estado assumiu o compromisso de acatar as sugestões preventivas e corretivas por ela emitida, pois não há de se admitir que a tenha criado por mera formalidade. Ao não as acatar sem qualquer justificativa, atuando, inclusive, em sentido contrário ao recomendado, não só incorre em grave contradição, como descumpre os mandamentos legais que amparam tais recomendações.

Dessa feita, nesta primeira análise, que, lembro, é perfunctória, vislumbro, sim, descumprimento do dever de transparência pelo Estado e, em especial, pela Secretaria de Estado de Saúde Pública, que requer determinação acautelatória por parte deste controle externo, de modo que o pressuposto da probabilidade do direito (fumus boni iuris) restou atendido.

De igual modo, o periculum in mora, ou “perigo da demora”, relacionado com a urgência de se resguardar um bem ou direito, face ao perigo a que este está sujeito, também resta caracterizado, pois a ausência de transparência das aquisições efetuadas impede o imediato controle dos gastos públicos, o que pode provocar danos irreversíveis à Administração Pública, violando princípios caros à república e a própria democracia.

O pleno exercício do controle externo e do controle social exigem que as informações das aquisições efetuadas, mormente durante a crise sanitária que ainda atravessa este Estado, que impactam diretamente sobre a vida de cada cidadão paraense, sejam disponibilizadas imediata e tempestivamente, sob pena de inviabilizar o exercício desses controles durante e após o período de calamidade pública decretado em todo o território do Estado do Pará.

Desse modo, verifico que há plausibilidade nos argumentos expostos na presente representação, bem como que se encontram atendidos os pressupostos do periculum in mora e do fumus boni iuris, consistentes nos fortes indícios de irregularidades citados ao norte.

Assim, nos termos do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, determinações serão emitidas para cumprimento de dispositivo constitucional ou legal. Esse é o caso dos autos, de modo que é plenamente cabível o deferimento de medida cautelar inaudita altera pars para que a Secretaria de Saúde do Estado proceda a disponibilização de cópia integral de todos os processos de aquisições firmados no período da pandemia da COVID-19, em especial das contratações referentes aos procedimentos de chamamentos públicos relacionados ao enfrentamento da doença.

Além disso, cumpre ressaltar que a concessão da presente medida liminar não trará danos às partes envolvidas no certame, posto que os efeitos decorrentes da concessão liminar somente obrigam o Estado a proceder ao exato cumprimento da Lei e da Constituição.

Diante do exposto, com fundamento no art. 116, inciso V da Constituição do Estado do Pará e no artigo 88, inciso I, da Lei Complementar Estadual n. 81/2012, proponho a este Egrégio Plenário que, cautelarmente, determine à Secretaria de Saúde Pública do Estado do Pará – SESPA que, no prazo de 15 (quinze) dias, promova a transparência das compras de enfrentamento à COVID no site específico da transparência da COVID no Estado do Pará (www.transparenciacovid19.pa.gov.br), disponibilizando cópia integral de todos os processos de aquisições firmados no período da pandemia da COVID-19, em especial das contratações referentes aos procedimentos de chamamentos públicos relacionados ao enfrentamento da doença, nos moldes das contratações ali já disponibilizadas, sob pena de aplicação de multa nos termos dos arts. 82, I e 83, VIII da Lei Orgânica deste Tribunal.
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Proponho, ainda, que seja determinado o prazo de 15 (quinze) dias para que a representada se pronuncie em relação às irregularidades mencionadas, bem como apresente outras informações que julgar necessárias.

É a proposta.

Belém, PA, 24 de agosto de 2020.

Milene Dias da Cunha

Conselheira Substituta

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