TCE-SC pede explicações à prefeitura de Itajaí sobre distribuição de ivermectina; médicos dividem opinião sobre uso contra Covid-19

Itajaí já distribuiu antiparasitário a mais de 180 mil moradores. Mesmo sem comprovação científica, outras cidades catarinenses também autorizam que seus médicos prescrevam o medicamento para prevenir ou tratar coronavírus.

O Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) solicitou à prefeitura de Itajaí, no Vale, explicações sobre a distribuição em massa de ivermectina à população na prevenção à Covid-19. Na decisão de quinta-feira (30), conselheiro relator, Herneus De Nadal, pede esclarecimentos sobre as bases científicas que justifiquem a compra do medicamento, além de possíveis fragilidades na dispensa de licitação e de sobrepreço.

Mais de 180 mil moradores já pegaram o medicamento desde 7 de julho e a prefeitura de Itajaí ainda avalia os resultados. Outras sete cidades catarinenses deram autonomia aos seus médicos para prescreverem o antiparasitário contra a Covid-19.

Entidades médicas alertam que não há comprovação científica sobre a eficiência da ivermectina contra a Covid-19. O prefeito da cidade Volnei Morastoni, que é médico, defende o uso do antiparasitário. Especialistas ouvidos pelo G1 também tem opiniões divergentes sobre o uso – veja mais abaixo.

O TCE quer saber se há elementos que apontam para possível eficácia do medicamento antiparasitário que justifiquem a quantidade comprada. Mais de 1,5 milhão de comprimido já foram entregues.

O Tribunal solicitou o cálculo de dosagem utilizado e mais informações sobre o processo de dispensa de licitação, pois é apurado possível sobrepreço na compra. A prefeitura dispensou licitação para adquirir as doses encomendadas a um laboratório por R$ 4,4 milhões para comprar até 3 milhões de comprimidos.

O prefeito Volnei Morastoni (MDB) e o secretário municipal de Saúde, Emerson Roberto Duarte, têm 30 dias para dar os esclarecimentos. A Prefeitura de Itajaí informou que já respondeu a outros questionamentos do TCE feitos há três semanas e até a tarde desta sexta-feira não tinha sido notificada oficialmente sobre o novo pedido de informações.

Um relatório da área técnica do TCE solicitou ao conselheiro Herneus De Nadal a suspensão da compra e da distribuição por meio de liminar. Nadal não decidiu pela suspensão do remédio, mas acatou nesta decisão de quinta outros apontamentos da da área técnica feitos há uma semana e solicitou à prefeitura e ao Fundo Municipal de Saúde que reavaliem novas aquisições, além de pedir as explicações.

No dia que começou a distribuição em massa da ivermectina, Itajaí registrou 2.116 casos de Covid-19 e 45 mortes pela doença. Após 23 dias, o número de casos na cidade subiu para 3.551 e o de mortes mais que dobrou, passando para 94 vítimas da doença, conforme os dados divulgados na noite de quinta-feira (30) pelo governo estadual. Há um mês, em 30 de junho, Itajaí tinha 1.818 casos, incluindo 35 mortes.

Prefeitura de Itajaí distribui ivermectina desde 7 de julho  — Foto: Fabiano Souza/NSC TV

A prefeitura de Itajaí informou ao G1 SC nesta sexta-feira que os resultados do tratamento profilático estão sendo analisados por profissionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) com dados coletados a partir da entrega da 2ª e da 3ª dose do medicamento.

Segundo a prefeitura de Itajaí, não é possível ainda fazer uma avaliação sobre os resultados do uso na ivermectina porque há o período de 14 dias de incubação do vírus antes de aparecerem os sintomas, além de o medicamento ainda estar sendo distribuído.

“Assim como as medidas restritivas demoram em média 15 dias para começar a surtir efeito, o uso da ivermectina também precisa de determinado período para apresentar resultados”, informou a prefeitura.

Atualmente, as informações estão em fase de tabulação e não há previsão de quando a análise será finalizada, conforme afirmou a administração municipal.

1,5 milhão de comprimidos entregues

De acordo com a administração municipal, até esta sexta-feira (31), foram entregues 1.584.455 comprimidos para 187.107 moradores, sendo que 60.869 deles retiraram comprimidos também para a segunda e a terceira doses do tratamento. Itajaí tem quase 200 mil habitantes.

Primeiro dia de distribuição de ivermectina teve procura de centenas de moradores em Itajaí — Foto: Fabiano Souza/NSC TV

Centenas de pessoas procuraram o Centroeventos da cidade, onde profissionais de saúde avaliam os pacientes e prescrevem e entregam a ivermectina. Mas há pessoas que levaram o medicamento para casa também para parentes que não passaram por avaliação profissional.

A distribuição é alvo também de investigação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) que avalia o valor investido para comprar os remédios e se houve irregularidades na entrega, após denúncia de que um servidor do porto da cidade teria feito uma lista com nomes de pessoas de outros municípios para receber ivermectina.

Especialistas têm opiniões contrárias sobre medicamento

A eficácia da Ivermectina no tratamento da Covid-19 e sua distribuição como forma de prevenção e tratamento à doença divide opinião de médicos especialistas da área.

A infectologista Sabrina Sabino, por exemplo, critica a utilização do medicamento e defende que os gestores públicos incentivem pesquisas para se chegar a um tratamento comprovado.

“Não sou favorável à distribuição de uma medicação sem nenhum comprovação científica para o tratamento ou profilaxia de um vírus com comprovação que a prevenção é uso de máscara, higiene de mãos e distanciamento social”, afirma a infectologista Sabrina Sabino.

Segundo ela, a ivermectina possui ação in vitro (em células cultivadas em laboratório), mas o que acontece in vitro é diferente do que acontece em um ser humano.

“A ivermectina tem ação antiviral em Zika, Chikungunya, Dengue, Febre Amarela, Influenza e HIV. Sim, a ivermectina inibe a replicação do HIV. Você já ouviu alguém falar que está tratando o HIV com ivermectina? Não. Então, apesar desta ação contra tantos vírus, a ivermectina não faz parte do tratamento de nenhuma dessas infecções”, explicou.

Mais de 180 moradores de Itajaí já buscaram comprimidos de ivermectina para uso contra Covid-19 — Foto: Fabiano Souza/NSC TV

Já a endocrinologista Ana Paula Gomes Cunha se mostra à favor do uso do medicamento no tratamento da Covid-19. Para ela, os estudos in vitro mostraram que ele diminui a replicação viral e experiências feitas em cidades como Porto Feliz (SP), onde parte da população recebeu o medicamento, são exemplos da eficácia do medicamento.

“É uma medicação barata, que existe nos postos de saúde ,com baixíssimos efeitos adversos, ou quase nenhum, e de possíveis contraindicações. Acho sim que ela é importante como auxiliar no tratamento da Covid-19”, disse.

No entanto, a endocrinologista afirma que, apesar de ser favorável à distribuição para a população como medida preventiva, as pessoas que forem ingerir o medicamento devem passar por um médico antes.

“Para ver se tem contra indicação ou não. Eu não concordo com nenhuma medicação que seja distribuída, que a população tenha acesso, sem que primeiro um médico veja que a pessoa pode tomar o remédio”, afirma a endocrinologista Ana Paula Cunha.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu em uma portaria publicada no Diário Oficial da União dia 23 de julho, que a ivermectina só poderá ser vendida com receita enquanto durar a pandemia de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus. A procura aumentada pelos medicamentos tem feito com que o preço deles aumente ou que haja falta nas farmácias.

A Sociedade Brasileira de Infectologia alerta que a eficácia de antiparasitários para tratamento contra a Covid-19 não é comprovada em seres humanos e que ainda são necessários estudos científicos para apontar os benefícios e seguranças aos pacientes. Entidades catarinenses se manifestaram sobre o uso ainda na primeira semana de julho – veja no vídeo acima.

O Conselho Regional de Farmácia de Santa Catarina também reforçou que não há comprovações científicas sobre o uso da ivermectina para SARs-Cov-2. O remédio é geralmente usado para tratar problemas por infestação de vermes no trato intestinal ou outras doenças parasitárias.

Mesmo sem eficácia comprovada, o medicamento chegou a acabar nas farmácias e teve quem procurou por similares em agropecuárias. O Conselho de Medicina Veterinária de Santa Catarina alertou que medicamentos veterinários não devem, sob nenhuma hipótese, ser usados por humanos.

Outros municípios de SC autorizam uso do antiparasitário

No mesmo dia que a prefeitura de Itajaí anunciou a distribuição de ivermectina, outros dois municípios do estado —Balneário Camboriú, no Litoral Norte catarinense, e Biguaçu, na Grande Florianópolis — também informaram que usariam o antiparasitário contra a Covid-19, se seus médicos julgassem adequado. Na mesma semana Criciúma, no Sul do estado, também anunciou o uso do remédio. Biguaçu, no entanto, não chegou a usar o medicamento.

Além de Itajaí, Balneário Camboriú e Criciúma, o antiparasitário também é disponibilizado por outras quatro cidades catarinenses que deram autonomia aos seus médicos caso queiram prescrevê-lo aos pacientes para prevenir ou tratar o coronavírus: Florianópolis São José, na Grande Florianópolis, e Chapecó Xanxerê, na região Oeste.

Caixas de Ivermectina foram compradas pela Prefeitura de Itajaí para usar entre moradores na prevenção de Covid-19 — Foto: Prefeitura de Itajaí/ Divulgação

As prefeituras de Xanxerê e Florianópolis ressaltaram que a ivermectina está disponível nessas cidades desde o início da pandemia, pois já era disponibilizada pelo Sus para outras doenças antes do uso ser cogitado também contra o coronavírus.

Todas as cidades com uso do antiparasitário autorizado contra a Covid-19 ficam nas regiões em situação gravíssima por causa da pandemia em Santa Catarina . Com exceção de Itajaí, nenhum delas tem levantamento de quantos comprimidos de ivermectina foram prescritos nas últimas semanas contra a Covid-19, pois médicos e pacientes avaliam a indicação clínica do antiparasitário.

O número de mortes por Covid-19 continua subindo em todos os municípios e nesta sexta-feira (31),o estado chegou a 1.102 mortes por Covid-19 e passou de 84 mil pessoas infectadas pelo vírus. Há um mês, eram341 mortes e 26.354 casos, segundo o boletim de 30 de junho.

Na quinta-feira (30), Santa Catarina ficou entre os sete estados brasileiros que registraram aumento na média móvel de mortes na variação de 14 dias. O crescimento foi de 24%, segundo o levantamento feito pelo consórcio de veículos de imprensa. Essa comparação leva em conta a média de mortes nos últimos 7 dias até a publicação deste balanço em relação à média registrada duas semanas atrás (entenda os critérios usados pelo G1 para analisar as tendências da pandemia).

Fonte:https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/07/31/tce-pede-explicacoes-a-prefeitura-de-itajai-sobre-compra-e-distribuicao-de-antiparasitario-medicos-dividem-opiniao-sobre-uso-contra-covid-19.ghtml

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